segunda-feira, 28 de julho de 2008

Ansiedade

Ela senta, levanta, faz xixi, senta de novo, cruza as pernas, lembra do cigarro, fuma com vontade, cheira a mão, lava com sabão, se olha no espelho, penteia o cabelo, passa batom, sente fome, vai ao mercado, puxa papo com o companheiro de fila, puxa papo com a caixa, ouve uma cantada cretina, se arrepende do shortinho, ouve uma cantada fofa, dá uma risadinha discreta, “ah shortinho bonito”, pega o elevador, passa na vizinha, faz fofoca, fala mal do cheiro, ou melhor, “DA MURRINHA” de cachorro no elevador, “ninguém merece essa vizinha porca que não cuida do cachorro direito”, abre a porta, fecha com raiva, bota uma música, dança com vontade, sua, se cansa, deita no sofá, pensa, pensa, pensa, se xinga de idiota e dispensa. O pensamento volta sozinho, se obriga a não pensar, pensa “ih tá passando a novela das seis”, vê novela, se irrita, xinga todo mundo, vê novela de novo, acha bonitinho, sente inveja do beijo, desliga a tevê. Toma banho, seca o cabelo, faz chapinha, passa um batom roxo bem forte, canta e dança ao som de Amy, passa desodorante, fica com os braços abertos embaixo do ventilador até secar. Põe a roupa, dá uma conferida geral no espelho, bate na própria bunda, “vão bora, gostosa!”, ri de si mesma, dá outra batida na bunda “vão bora, magrela!”, apaga a luz e sai. Pega o elevador, faz pose no espelho, mexe no cabelo, faz biquinho, beija o espelho, suja tudo de batom, dá uma lipadinha rápida e se manda pra rua. Vai pro ponto de ônibus no passo apertado. Nem ela sabe pra que tanta pressa, mas não quer nem saber, continua no passo apressadinho. Chega na Lapa, dá um gritinho básico quando encontra as pessoas, acende um cigarro, sorve a cerveja, fala, fala e fala. Quando acaba o assunto ela inventa, conta piadinha sem graça, pula e faz uma dancinha. Bebe mais cerveja, diz que tá com uma saudade de fulano. Quando o cigarro acaba ela esfrega as palmas das mãos no quadril, tenta conter o que tem dentro. Não consegue, tira o funk mais sórdido do momento e sai cantando e rebolando. Ela chora, ri e faz xixi. Ninguém agüenta mais tanta presepada, mas ela não consegue parar, ela precisa continuar. Ela abraça fulano, aperta beltrano e agarra ciclano. Ela perturba todo mundo. Ela cutuca e alisa só pra provocar. Alguém reclama e ela dá uma risadinha irritante, achando tudo uma beleza, super divertido. Ela sente vontade de armar um barraco só pra animar o povo, mas não tem com quem brigar. Ela desiste. O cansaço chega, ela senta e sossega. Dão seis horas da manhã, ela dá beijinho em todo mundo e vai embora. Chega em casa, vai tirando a roupa pelo caminho e taca tudo mo chão do banheiro. Arranca o sutião apertado com vontade. Se enfia só de calcinha debaixo do edredon toda feliz, sente o colchão macio e acha tudo muito confortável, “ai que beleza de caminha”. Tem um último pensamento antes de dormir “ai, adorei a noite de hoje”. Desaba na cama e se entrega aos braços de Morfeu sem culpa. Não há nada como saciar uma ansiedade.